03 de Setembro




Pra ti,
nada confessei...
Em mim,
todos os sonhos guardei...
Deixo agora, em testamento,
toda a minha riqueza
pois, se o meu amor
por você morrer
nenhuma dúvida restará
do destino da herança.

Registro em firme traço:
O brilho do nosso olhar
Meu corpo em teu forte abraço
O som da minha gargalhada
A Porta e o Portão
A Ida e a Vinda
As linhas de tua Mão...
O meu sonho de sonhar em
teu colo – o mais louco devaneio
Psss... O seu Silêncio!


Em papéis?
Não.
(Nada escreveria na textura frágil da celulose)
Mais certo seria registrar
no límpido pedaço de Lua
que se estampa no meu céu Setembrino
Assim, dúvida nenhuma restaria
que amantes outros
em meus desejos se espelhariam

Da efemeridade das coisas urgentes




Irei ao cinema segunda-feira.
Não me importo se deveria ficar em casa dormindo ou trabalhando.
Simplesmente, a partir de hoje, está decidido que as segundas são dias de se ir ao cinema.
Não importa também se terei companhia todas as segundas. Estou certa que na maioria delas
estarei sozinha, o que também não há de ter grande importância, pois o que está importando de fato é que eu atenda, de maneira urgente, este meu desejo... que até poderá ser passageiro e só durar uma semana e na semana seguinte eu resolva mudar para terça e não mais segunda...

Fisiologia do estado vegetativo

Ela precisava utilizar uma daquelas palhas de aço.
Daquelas, que vira em sua infância, tirar toda
qualidade de sujeira que se pusesse
a “enfear” as mármores do chão de sua casa.

Isso foi quando entendera que tinha todo o corpo, as vísceras e os sentidos recobertos por uma crosta endurecida que lhe anulava a propriedade de SER PERMEÁVEL!
Nada ultrapassava a barreira da epiderme; tinha os poros todos... todos os poros cegos. Sem tato; fraco paladar; audição terrivelmente comprometida. Voz completamente fora de qualquer tom; era inodoro e inerte o ar que lhe penetrava e levava a lugar nenhum especial em sua memória.
Era uma mulher quase morta.
Vagava incólume entre os seres em estado de euforia ou inércia; em estado normal ou alterado...
Vagava. Andava-lhe os passos sem consciência.
Não se via o viço em seus olhos; a lágrima não lhe corria a face com a fluidez “descarada” que trazia o sorriso, logo que o sabor agridoce lhe lambesse lábios.
Vegetava, pois há muito não experimentava desta comunhão, deste quase orgasmo lábio/lágrima.

A secura de suas papilas gustativas era outro sinal de seu estado vegetativo. Elas não conseguiam mais inundar sua boca. Faziam o movimento suficiente para que, de longe, sentisse o leve sabor das coisas e das pessoas, não sendo o bastante para que ela lambesse seus tenros “beiços”.
Ela vegetou por dias e dias... Por vários dias não se reconheceu como o SER PERMEÁVEL que sempre fora e temia estar vivendo uma vida sem sentido com prognóstico de cronicidade daquele estado doentio e sombrio.
Até que um dia, como por encanto, o “feitiço” foi quebrado.
E como se deu isso? Eu não sei. Ela não me contou...