Rasteiro e Ordinário Amor


Olá,
Não sei escrever mensagens de Natal. Talvez um dia eu aprenda. Curioso, é que quando me proponho a escrever para esta ocasião o tema é sempre o mesmo: o Amor. Se você já sabia, então tá esperto, mas não se acostume. Ano que vem pode ser diferente.
Mas, este ano, convido-lhes a celebrar comigo o Amor na sua versão mais rasteira e ordinária; o Amor de todas as horas e de todos os seres. Que não carece de lugar ou tempo especial para se realizar, muito menos de uma identidade única, exclusiva e fundamental.
Este Amor que inicialmente denominei “rasteiro e ordinário” é este que rola massa quando conseguimos nos desconcentrar do nosso sonho concreto de vida e então relaxamos... Na prática, ele nos arrebata – o inefável “Rasteiro e Ordinário Amor” – quando nos desligamos. E, o que sinto pessoalmente, é que podemos exercitar este desligamento. É como cultivar a cada instante, a experiência de estar livre do excessivo valor que damos ao nosso trabalho; ao nosso nome; às expectativas; ao modelo novo do carro; a uma nova tendência de moda blá, blá, blá.
Um bom exemplo é o apego que tenho à minha imagem de cabelos cacheados. Naturalmente, tenho lindos cachos adornando meu rosto. N’algum momento percebi que tinha um amor excessivo a esta imagem cacheada que chegava a rejeitar com fúria a possibilidade de escovar os cabelos. Quando tive consciência disso, comecei a fazer o que chamei do exercício do desapego: dei escova nas madeixas. Na primeira tentativa não durou mais que o tempo que eu chegasse em casa e me jogasse no chuveiro. Achei por demais agressivo aquele fio liso e estranho sobre a minha cabeça. Parecia não ser eu! Olha que DRAMA: deixar de ser essencialmente eu só porque tinha fios de cabelos retos e não ondulados??? Tenha santa paciência , Luciane!!! Tudo bem, prefiro os cacheados, acho que fico mais bonita, mas não precisa ficar irritada ou ter crise de identidade por causa disso.
Com nuances de diferenças, vivemos dramas assim em inúmeras outras situações na vida por excessivo “Amor” ao que é nosso: nossa comodidade que nos paralisa diante de uma sociedade construída sob a égide da exploração; amor ao nosso conhecimento criando barreiras que impedem o apaixonante exercício da troca; amor ao modelo de família  estabelecido e aceito socialmente; amor aos nossos modelos de comportamento... E tem um monte de coisas que poderia citar, mas que não a fim no momento. Onde quero chegar é o que me motiva agora: estar preso a estes nossos dramas é o que nos distancia da experiência do “Amor Rasteiro e Ordinário”. Pois é ele nos possibilita amar sem restrições e sem expectativas o estranho; é o rasteiro e ordinário que está disponível a todos, igual vírus da gripe. É ele que nos garante que é possível amar, além dos filhos que estão em casa, o cachorro bexiguento da rua. É o rasteiro e ordinário que nos faz sair do discurso da pena e nos colaca na ação de sentar amorosamente com o outro e tentar encontrar com ele uma saída...
Queridos, o que lhes desejarei é o que estou buscando pessoalmente: que possamos dar possibilidade de sermos arrebatados muitas vezes, inúmeras vezes, incansavelmente pelo Amor Rasteiro e Ordinário!
O tom foi quase ácido, ? Pois é. Se incomodem com isso não.  Como disse, não sei escrever mensagens de Natal como aquelas. Mas façamos assim: aproveitem aquilo que for útil pra vocês. Se nada lhes servir, seja compassivo e, amorosamente, delete a mensagem.
Ah! Amor Rasteiro e Ordinário é como a poesia de Lu Barros sente e traduz o Amor Universal. Tá ligada na minha crença que conseguiremos salvar o mundo se nos contaminarmos, TODOS, com AMOR RASTEIRO  & ORDINÁRIO, ?. Num tem arma biológica mais poderosa que esta!
Beijo carinhoso,
Lu Barros


Digna Senhora




Digna Senhora, seja-me útil.
Abandone-me e voe até ele.
Chegue devagar e se ocupe de um vento brando para não assustá-lo.

Deixe-me. Poupe-me da agonia que me trazes.
 Sejas gentil e voe até ele.
 Chegue devagar. Não o perturbe!

Quando vir o vento dos mais amenos siga-o até pousar no silêncio.
Ao chegar diante dos olhos dele, mantenha-se serena.
Podes assumir a forma do fogo, da água, de um animal ou uma singela flor.
Ao vê-lo, Digna Senhora, deixe que ele sinta todo o meu amor.

É tudo que podes fazer por mim.
Vossa companhia pode me perturbar as horas do dia e roubar-me outras de sono.
Grata, Digna Senhora, mas peço licença para continuar feliz, em silêncio, ao lado do silêncio dele.

Em rede

                                                                              Foto: Karun Naidu

Da rede que acomoda a espádua do índio

à rede do pescador deste mar...

 

O que houve?

Estamos perdendo a conexão...

estamos fora da rede!

O segredo do Monte - um poema para Monte Azul

                                                                                  Foto: Fábio Camelo

Vem de lá de trás do monte
Um vento que canta toda noite!
O monte é bem alto
E lá em cima tem uma fonte.

Todos que lá foram
Nunca mais voltaram cá prá baixo.
Por que será que todos que vão, ficam
E nunca mais os acho?

É o mistério do Vento,
Da Fonte e do Monte.

Então, fui lá no alto
E o vento cantou-me os seus segredos...

“Todos que aqui vêm diferentes voltam:
Aprendem os segredos do Vento do Monte;
Bebem da água da fonte
E vêem um Novo Horizonte!”

Ilustrando Amor para crianças

                                          Poema dedicado a Joaquim Barros e o desejo que este Amor seja alcançado e experimentado por nós e todas as crianças...


Amor é uma coisa que sai do coração...
Sai também da barriga,
do barro,
e da palma da mão.

Amor pode virar água que sai do olho!

É também bicho, árvore,
bugiganga, 
brincar de surfista e
engolir o tubarão!

Amor é um negócio que voa.
Mas não é periquito nem avião.
Também não tem endereço
e às vezes anda na contramão.

Amor vem sem rumo.
Mas se o vento sopra
ele acaba por chegar.

Amor vem de todo lugar.
E só tem um segredo
para Amor encontrar:
ter sempre Amor para dar.

Canção Maviosa




















Em madrugadas insones
Pouco a pouco
Construíram-se pontes
Entre seu olhar e o meu

Sua música abrigou-se
Em minha poesia
Meu sorriso fartou-se
Em sua candura

De seu inteiro intenso
Me fiz toda uma
De seu sopro vivo
Soei maviosa em prazer

Alma Roubada



Reajo à cidade com uma sensação de plenitude!
Não receio o olhar das pessoas,
nem os seus julgamentos.
Elas não parecem necessitar disso.
Aqui, minhas unhas não se puseram em vermelho
Não precisei pintar meus pés para a guerra...
não há nada contra o que lutar,
nada que eu precise desafiar,
nem preciso me impor.
As armas do povo desta terra
parecem ser sua gentileza,
sua voz mansa e terna.
Tive a alma gentilmente roubada
pela cidade e suas pedras...
Não me acho só ou  perdida,
meu fluido se encontra e se confunde
nas águas geladas e acolhedoras
de seus lagos e cachoeiras.
Rolo sem destino
por suas poucas ruas,
praças e jardins coloridos.
Nestes dias
Sou nascida desta terra
broto deste chão...
Feito Água
Feito Pedra
Deixo que Mucugê se aproprie de mim:
me possua com seu frio cortante
me encante com a luz dos mausoléus Bizantinos
me inebrie com o canto de seus pássaros
me ensine pelos velhos daqui
me derreta com o sorriso de suas crianças
me permita enxergar-me nos olhos de suas mulheres...
E traga-me de volta
E trague, de uma só vez,
o meu corpo
a minha LETRA.