Carne Viva

Rompi.
Abri caminho pra trilhar.

Em êxtase,
rebento
acima do medo,
do novo:
exponho meu cerne
meu ventre aberto
minha Carne Viva.

O Menino Verde-amarronzado

Estava só em casa.
Era tarde e o silêncio era minha única companhia.
Não! Além do silêncio, habitava em meu peito uma indagação débil: seguir, ou não, a trilha aberta pelos meus sentimentos?
Foi quando ouvi um ruído vindo da cozinha. Agucei a audição. O som era tranqüilo, leve e não identificável.
Fui até lá e o que vi me encheu de paz: cuidadosos passos de um pequeno moleque de peito verde-amarronzado que ao me ver saiu correndo.
Descobri que por uma das janelas da minha casa adentra um pássaro de plumagem marrom-esverdeada.
Em meu orgulho, fiquei por demais lisonjeada pela honra de ter, co-habitando o meu lar, um “menino” tão lindo, tão livre!
E, claro, em meio à minha aflição tinha certeza que estava ele, ali, para responder afirmativamente à minha dúvida vespertina...

Pronto. Fiz o que queria!


Poucos minutos depois, novamente, o ruído de seus passos. Desta vez ele anunciou-se. Deu o tom de sua presença e convidou-me a conhecê-lo com um canto ligeiro.
Larguei os papéis e, enternecida, fui novamente até a cozinha.
Ele estava lá, me esperando. Olhando para mim. E mostrou-me o que fazia em minha casa.
Vejam só, que surpresa a me revelar o tamanho da minha pretensão...
O meu Amiguinho Livre estava a comer banana. Pois sim, a banana cheirosa e bem madura debruçada em uma fruteira. A banana que acreditava ser minha, era agora a nossa.


Este episódio rápido me provoca.


Antes das saudáveis provocações e que ficou em mim deste encontro foi um estado de Paz.

Bem, as provocações????
Por que precisamos de sinais se as respostas estão em nós?
Sempre sigo este caminho (ditado pelos meus sentimentos) e sempre dá certo. E, certamente pensaríamos: “tá doida!”
Tô não!
Pois que, quem conseguirá afirmar o que é certo ou errado?
Se para alguns um final “infeliz” é a possibilidade de ir além do fato, além da dor.
Se em cada caminho percorrido, caminho aberto, trilhado por nós, temos a possibilidade de nos descobrir, de nos revelar para nós mesmos; e de descobrir outros e de trocar com outros e de celebrarmos a Vida sentindo sua dor e sua delícia...

Não , não, não... Não consigo negar. Não sei o caminho contrário. Sei abrir o peito e voar livre como o meu Amiguinho.
Ele já esteve hoje aqui. Não o vi! Ouvi o seu biquinho a comer a polpa macia da banana madura. Eu estava ainda na cama a lembrar dos meus sonhos, a sonhar outros sonhos e desejar ser sempre livre.
Na tarde de ontem, quis aprisionar-me. Dizia para mim que estava certa em negar. Que o caminho certo era esconder, engolir seco, desconsiderar.

E o que me causava tanta dúvida era uma reflexão anterior...
O que quero?
O que quer o outro?
O que a vida me dá?
O que quero é o que preciso?
O que mereço?
Tudo tão relativo...
E agora, como equacionar tantas variáveis numa vida tão rápida, de desejos tão efêmeros e sonhos deveras românticos?
E na real?
Carinho,
Lu

Texto escrito em 20 de Outubro de 2007

Conversa Mole e Maresia

Incomoda a mim, ainda mais nos últimos dias, a ligeireza de certas palavras; dos corpos; dos olhares. Estou quase tendo um colapso de tanta velocidade. O ar que inspiro me sai tão rápido que estou soluçando e engasgando com minha própria saliva, que está seca, fria e sem sabor.

É na saliva que se sente todas as coisas. Tudo ‘água’ na boca quando se tem sede. Agora, ando sedenta por maresia; aguando por uma conversa mole; um dia inteiro sem telefone, chave, escada, elevador. Deitar em úmida relva, beira de rio; beijar na boca do vento; comer pelas narinas os encantados olores de terra; com a ponta da língua lamber o gosto do sal; na brasa da fogueira acender o pavio dos meus sonhos.

Ah! estou com sede GENTE. Aguando.

É que quase não se vê GENTE no olho dessa gente. Não há mais espaço ou tempo. Só os compromissos, títulos, contas, números. E no meu olho teimoso corre lágrima de saudade de um tempo lento.

Psiu! quero silenciar-me no meu oco. Quero minha casa com a cara da casa daquela gente que “conversa mole”: o filtro; a atalha; uma xícara de esmalte branco, uma chaleira e um banco de madeira. Só pra jogar conversa... dentro de mim!

O texto original foi escrito num domingo, 27 de maio de 2007.

Estava triste por só atender às minhas obrigações e pouco à mim e aos meus desejos e necessidades.

Seis meses depois, depois das lágrimas de um cansaço cruel, tenho as canecas de esmalte, um filtro de barro, uma talha enorme e ainda duas esteiras. E não os adquiri porque estava assim escrito. Mas simplesmente porque era isso que desejava. Quando parei e ouvi o meu oco tornei-me livre, mais leve, mais eu, mais GENTE. Ainda faltam o banco e a chaleira. Mas o que conquistei de verdade foi a minha liberdade.

Seis meses depois, voando para extirpar um “estado de impactação” e cansaço escolhi “Conversa mole e maresia” (de 27/05/07) para ver o que sentia lá longe. Dei uma ajeitada no texto e agora divido com vocês.

Em 01/12/2007; No céu, entre a minha doce Salvador

e Rio de Janeiro, que “continua lindo”!